Leite Quente


Quem não sofreu do síndrome Toy Story?
Quem foi a criança de 4 a 10 anos que, depois de ter conhecido Woody e Buzz, não foi a correr para o seu quarto, na expectativa de ver se os seus brinquedos tinham vida para além das pilhas?
Desilusão maior. Eles não falam quando olhamos para eles. Estavam sempre quietos, calados, talvez com um fio de cabelo ou uma mão fora do lugar. Podia ter sido uma corrente de ar, um desiquilibrio, mas não se deixe o engano levar a melhor. Quantas vezes a porta do quarto não foi aberta, de rompante, para apanhá-los desprevenidos a conversar sobre a sua vida de brinquedos?
É isto que a Pixar faz. Planta-nos o impossível, ou melhor, aquilo que gostávamos de ver possível. Monstros que saiem dos armários e assustam crianças, de noite, lucrando com os seus gritos; Peixes-palhaço que procuram filhos desaparecidos; Super-heróis que têm jantares de família e problemas com pré-adolescentes; Carros que têm personalidades espelhadas pelas suas marcas; Robots que se apaixonam por fêmeas robóticas, de modelo mais avançado, depois de um pseudo-apocalipse.
A última plantação da Pixar retrata a estória de um velhinho de rugas, óculos e cabelos brancos standard que, com a resignação de um americano à antiga, tem um sonho por concretizar.
A propósito de rugas, é vê-las com o detalhe que o 3D lhes dá.
Carl, o velhote antigo vendedor de balões, é viuvo, mora sozinho e levanta-se de manhã para se sentar debaixo do alpendre de sua casa. À sua volta constróiem-se arranha-céus comandados por executivos de pouca expressão. Carl não arreda pé da casa carregada de marcas da sua mulher, até ao dia que, para fugir ao asilo, faz explodir do seu telhado milhares de cores sobre a forma de balões.
Apesar dos requintes de fantasia, as animações da Pixar têm uma grande dose de aproximação ao real e é isso que lhes dá as grandes narrativas. Não se trata apenas de dar vida a um pedaço ou outro que more no imaginário comum. É antes revistir esse imaginário de sentimentos e imprevisibilidades que só o dia-a-dia reserva, ainda que, esteja sempre presente o grande ponto de fuga: uma grande casa presa a balões que leva à concretização de sonho antigo, quando já nada o fazia antever.
Neste filme fala-se de perda, morte, valores tradicionais e desadequação, equacionados com o denominador da esperança. E que o diferente do previsto não tem de ser necessariamente mau.
Uma história de amor, apenas.

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